quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Uma Oposição de Carneiros e Ovelhas


Inspirado no texto "Ligações Perigosas" de Percival Puggina publicado no Jornal Zero Hora (16/09/2007), disponível aqui e que em seu parágrafo final diz:

"Desigualdades sociais são decorrências inevitáveis das inúmeras diferenças naturais existentes entre os seres humanos, mas a dignidade que todos temos em comum torna inaceitável essa ligação perigosa da miséria absoluta com a absoluta opulência. Ela nasce da perigosa ligação da burrice com o problema, do poder com a incompetência, do refluxo dos que se omitem com a maré dos demagogos. E, principalmente, das perigosíssimas e promíscuas ligações que o presidencialismo estabelece entre Estado, governo e administração. Elas alcançam o apogeu quando controladas por pessoas com discurso de Dom Quixote, discernimento de Rocinante e ambições de Alifanfarrão."

Para lembrar:

- Señor, encomiendo al diablo hombre, ni gigante, ni caballero de cuantos vuestra merced dice parece por todo esto; a lo menos yo no los veo; quizá todo debe ser encantamento, como las fantasmas de anoche.
- ¿Cómo dices eso? – respondió don Quijote
- ¿No oyes el relinchar de los caballos, el tocar de los clarines, el ruido de los atambores?
- No oigo otra cosa – respondió Sancho – sino muchos balidos de ovejas y carneros

Para pensar:

Dom Quixote vê o encontro entre o exército do Imperador Alifanfarrão e o do seu inimigo de Pentapolim do Arremango Braço enquanto Sancho Pança adverte ouvir “balidos de carneiros e ovelhas”.

O Valente Cavaleiro atribui ao medo do escudeiro sua cegueira. Um dos efeitos do medo é turvar os sentidos, e fazer que pareçam as coisas outras do que são.

Quais dos pontos de vista são críveis? Os dois.

O espírito aventureiro do Cavaleiro lhe permite ver dois exércitos. O do medroso Escudeiro permite enxergar apenas animais (ou alimento).

Curioso que Dom Quixote dê uma explicação bastante convincente sobre os efeitos do medo. Melhor acreditar não ver o que está a frente. Ou imaginar coisa outra do que aquela que se avizinha.


Um artifício inconsciente a favor da nossa sobrevivência. Se não reconheço o perigo não é necessário enfrentá-lo; e diminuem as chances de ser por ele derrotado.

É o que faz a pseudo-oposição brasileira. Não vê exércitos, mas também não vê animais, e tanto uns quanto outros estão lá. Em alguns instantes faz os discursos acalorados de Dom Quixote, mas não tem coragem de enfrentar nem mesmo moinhos de vento. Em outros instantes assume o silêncio constrangido de Sancho.

Talvez a nuvem de pó no campo de batalha os tenha deixado cegos.
Ou pensam que nós estamos e não possamos ver que o enfrentamento verdadeiro não existe.

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